07 outubro, 2007

SHORTBUS

Gênero: Drama, Romance

Ano: 2006

Com: Sook-Yin Lee, Paul Dason, Lindsay Beamish, PJ DeBoy, Raphael Barker, Peter Stickles, Jay Brannan

Direção: John Cameron Mitchell

Argumento: Um grupo de nova-iorquinos, com problemas sexuais que afetam seu modo de compreender o mundo ao redor, encontram-se numa boate infame pela sua mistura de arte, música, política e sexualidade.

 

Plano Geral: "Shortbus" começa chocante já na primeira cena, onde James (Paul Dawson), mija dentro de uma banheira, caminha até a sala completamente nu (em plano aberto), faz um boquete em si mesmo e goza em seu próprio rosto. Incomodado? Não precisa ficar: o resto do filme é uma história muito bonita sobre amor, sexo, relacionamento, o isolamento, e como as pessoas vêem a si mesmas. Por exemplo, James (Dawson) é um cara que parece ter tudo o que o romântico Caleb (Stickles) gostaria da vida: um relacionamento bem estabelecido e o amor sem limites de seu companheiro, Jamie (PJ DeBoy). Mesmo assim, encontra-se num profundo vazio, desgovernado e sem perspectivas: sente falta dos tempos de michê, quando "sabia exatamente o quanto valia". Lentamente planeja, então, o seu suicídio - mas nega-se a deixar este mundo sem antes encontrar um novo parceiro (Brannan) para Jamie. Sua dor só não é maior do que a de Sofia (Lee), uma terapeuta de casais, casada e com uma vida aparentemente estável ao lado de seu marido Rob (Barker), que nunca atingiu o orgasmo. Isto cria uma melancolia nela, que acredita-se incapaz de atuar no mundo com desenvoltura. Encontra em Severin (Beamish), uma dominatrix com baixa auto-estima e incapacidade de manter relacionamentos, escape para sua angústia. Na troca de confidências com Severin e nas experiências que vive no clube noturno Shortbus, conhece todo um mundo novo que sua rigidez sino-canadense a negou.
Nota: 8


A psicóloga Sofia e sua incansável busca pelo prazer


Roteiro: A teia de relacionamentos entre os personagens, que encontram-se no Shortbus, é um dos méritos do filme. A história se desenvolve por ela mesma, aproveitando cada deixa de cena para investigar um outro personagem, percorrer uma volta e então retornar ao ponto de origem. Interessante. Os personagens, pela vivacidade inserida neles, acabam nos parecendo simpáticos logo de início. O casal James e Jamie é muito interessante, assim como a idéia do protetor Caleb; da mesma forma, a dominatrix Severin e a sua "incapacidade de comunicação" com outros seres humanos criam um retrato atual de uma geração individualistamente hedonista e despreocupada que vive isolada. Já Sofia persegue com tanto afinco sua capacidade de atingir prazer, para assim "curtir" o mundo, que sua busca tem um ar maroto de quixotismo. Entenda: Sofia não é uma personagem egoísta ao buscar seu próprio prazer; ao contrário, assim o deseja pois - acredita - todas as mulheres já atingiram o orgasmo uma vez na vida, exceto ela. Ela não quer ser comparada; quer ser igual, nunca diferente. Não surpreende, então, que acabe entrelaçada num relacionamento com um casal. É a crítica mais perceptível do filme: da antiga e moralista família sino-canadense ao liberalismo hedonista e cosmopolita nova-iorquino.
Nota: 9

Atuação: Reza a lenda que Mitchell definiu os personagens e muito do roteiro junto com os atores e a equipe. Antes de definir elenco, Mitchell só possuía as linhas gerais: fazer um filme de sexo onde este era retratado de forma realista e otimista, e não com o ranço pessimista que Hollywood normalmente o reserva. Nomes, características e ideais dos personagens foram definidos pelos próprios atores, junto ao diretor. Resulta que o filme parece mais um documentário experimental do que propriamente um filme. Todos os atores vestem-se de seus alter-egos apenas para idealizar uma porção de si; na tela agem com extrema naturalidade. Ator e personagem se confudem para exprimir o abafado grito por atenção do diretor. Realmente fascinante.
Nota: 9


Severin, a dominatrix com baixa auto-estima


Direção: John Cameron Mitchell já havia se provado um exímio diretor e roteirista em Hedwig (que me deu vontade de rever, aliás) e aqui se mostra ainda mais afiado. A sucessão de "episódios", cada um envolvendo um dos personagens, mantém um frescor no filme, que nunca enjoa. Se para uns algumas cenas parecem chocante, saiba que apenas é um modo de Mitchell se revoltar ao sistema - que o diga a primeira cena de sexo regada ao hino norte-americano. No mais, o sexo é exibido como ingrediente das relações entre os personagens e, apesar de explícito, não é gratuito. Por isso, Shortbus rejeita a etiqueta de pornográfico. Não é nem excitante.

Outros itens essenciais e indispensáveis à história de Mitchell são a fotografia e a trilha sonora. Belamente composta por artistas como Scott Matthew (um dos "Seatbelts", das ótimas trilhas dos animês Ghost in the Shell e Cowboy Bebop) e Yo La Tengo - com composições originais para Shortbus -, a música complementa a narrativa. A beleza e sutileza da canção "Language", de Matthew, durante uma cena de diálogo sobre o surgimento da Aids em NY é emocionante. Assim como a música final, "In the End", cantada pela drag queen Justin Bond na companhia de uma banda marcial. Quanto à fotografia, Mitchell trabalha com muito desempenho o espaço apertado do Shortbus ao criar ambientes diferentes com iluminações distintas. Consegue transformar um ambiente naturalmente polêmico num lugar aconchegante, e esse "aperto" que sentimos acaba nos deixando realmente em casa. Algumas cenas, aliás, são dignas de Pasolini e seu "Salò".

Por fim, não poderia deixar de mencionar duas decisões interessantes do diretor: mostrar NY através de uma maquete colorida de "caixinhas de remédio", que dá ao longa um ar onírico, e manter a presença do desastre de 11 de Setembro sem citá-lo diretamente - os constantes cortes de luz, o sentimento de finalidade dos personagens e dois buracos vazios na paisagem da maquete são mais do que suficiente.
Nota: 10

Total: 90%

Depois de tudo: "Queria usar o sexo como a música em "Hedwig - Rock, Amor e Traição" [seu primeiro filme], uma metáfora para revelar os personagens sem usar palavras. Por isso não se pode comparar "Shortbus" a um filme pornográfico. Poucas pessoas se excitam sexualmente ao vê-lo, e, quando isso acontece, é algo periférico. A idéia não é chocar ou excitar. Quando ele termina, a última coisa em que se pensa é no sexo. Como no fim de uma relação boa. Diferente do que se sente após ficar apenas uma noite com alguém." O próprio Mitchell já disse tudo que tinha para dizer. Quem não tiver preconceitos e frescurinhas, assista!

2 comentários:

  1. Um filme deveras surpreendente, demasiado real, com problemas reais e com gente real, mas ao mesmo tempo a elevar-nos a um mundo imaginado de cores e musicas! não é, sem duvida alguma, um filme pornográfico! é um filme de Culto, uma história de vida. Uma Lição!

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  2. Não consigo compreender como, em pleno século XI, as pessoas conseguem rotular um filme belo como Shortbus como pornográfico. o diretor consegue tornar sublimes cenas que, sendo contadas por alguém, poderiam parecer vulgares e apelativamente eróticas. pornografia é a política nacional, é ver crianças nas ruas jogando fora seu futuro. isso sim é um atentado violento ao nosso pudor! abaixo ao puritanismo que cega e bitola!

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