22 setembro, 2007

CRASH


Gênero: Drama 

Ano: 1996 

Com: James Spader, Elias Koteas, Holly Hunter, Deborah Kara Unger, Rosane Arquette 

Direção: David Cronenberg 

Argumento: Após acidentar-se seriamente de carro, um diretor de TV descobre uma sub-cultura que utiliza acidentes automobilísticos e suas vítimas como fetiche sexual. Ele então utiliza-se desta sub-cultura para tentar rejuvenescer sua vida sexual com sua esposa. 

Sinopse: "Interesso-me pelas mudanças e adaptações pelas quais o homem se submete através da tecnologia moderna". Com esta frase, Elias Koteas, como Vaughan, resume a ideologia presente por trás do livro de J.G. Ballard e do filme de Cronenberg. Analisando-o sobre a ótica desta frase, descobre-se que Crash é um herdeiro dos filmes cyberpunks (e, de fato, muitas vezes integrante da lista dos mesmos), que já rendeu pérolas como Tetsuo, the iron man e Pinochio 964. Ambos possuem a mesma premissa de Crash: transformar em fetiche a fusão entre homem e máquina. Enquanto Tetsuo parte para o lado "hardcore" da fusão física - i.e. transformando o protagonista em um amontoado de carne, aço e componentes eletrônicos - Crash idolatra o corpo humano modificado através da espontaneidade, do acaso. Bate-se o carro e transforma-se em fetiche o corpo destroçado que dela resulta, como no caso de Gabrielle (Rosane Arquette). Outra pérola de filosofia largada durante Crash é o momento do acidente, e todas as relações entre os envolvidos. É como um toque divino, um simples segundo em que vidas com nada em comum se cruzam, em oposição ao isolamento criado pelo próprio meio de transporte, que trancafia cada indivíduo em seu carro. Para não deixar o óbvio sair para uma voltinha (de preferência de carro, hehehe), deve ser acrescentando que Crash é o fetiche consumista da sociedade modernada por automóveis levado ao extremo. Brilhante!
Nota: 10



Atuação: James Spader iria tornar-se o ator perfeito para os tipos sexualmente esquizofrênicos. Após "Sexo, mentiras e videotape", ele repetiu a dose em "Crash" e, recentemente, em "Secretária". Spader possui um estilo minimalista e um olhar extremamente irônico. Às vezes seu personagem, James Ballard, parece um pouco indeciso no que fazer. A esposa de James, Catherine (Deborah Kara Unger) é um "tipo": a mulher é uma ninfomaníaca, e só. Deborah é muito bonita, mas sua voz monotônica e sussurante torna-se rapidamente enjoativa. Holly Hunter está bastante sensual como a doutora tarada mas, se já fazia parte ou não do culto de Vaughan, nada é dito. Elias Koteas, como Vaughan, é brilhante. Sua interpretação do ex-engenheiro de tráfego que acredita existir uma forte relação entre acidentes automobilísticos e a paixão do ato sexual, é sincera, ofegante, cheia de expectativas - todas muito bem cumpridas. Em geral, todos os personagens de Crash são insensíveis emocionalmente, chocados - caminham como se estivessem num sonho - e indefinidos quanto ao que querem da vida. Tornam-se apenas completos quando dentro de seus carros (como a doutora que só mantém relações sexuais dentro deles; Gabrielle e suas deformações; Vaughan, tão magro e tão feio, mas tão potente sexualmente dentro de sua lata-velha; e, posteriormente, Ballard agindo sobre sua esposa Catherine).
Nota: 7 

Roteiro: Sexo é utilizado para desenvolver os personagens e levar o filme adiante. Mas o sexo, em 90% do filme, não é excitante nem nada. Muitas vezes chega a ser nojento. E a idéia é exatamente esta: enquanto filmes pornôs apresentam sexo sem mérito artístico (podem até chocar, e muitos o fazem), Crash é artístico ao extremo. O efeito da tecnologia moderna sobre a psiquê dos personagens é tanta - e tão grave - que eles sentem-se excitados apenas na situação extrema de um acidente. Muitas das cenas de sexo, também, ocorrem DENTRO dos automóveis, com os mais diferentes pares - casais, gays, lésbicas, trios, etc. Quanto ao todo do roteiro, apesar do início rápido, o roteiro dá uma vacilada pela metade, preocupado em mostrar o culto de Vaughan e desenvolver a relação dele com James, mas deixando personagens interessantes de lado - principalmente a esposa Catherine. Transformar romances em filmes é complicado e sempre uma das partes acaba prejudicada.
Nota: 7 

Direção: Levar Ballard para o cinema não é uma tarefa fácil, e Cronenberg sabe disso. Arrisco dizer que, se não fosse o diretor canadense, ninguém - pelo menos não em Hollywood - conseguiria essa transposição. O estilo de Cronenberg e sua paixão por personagens psicologicamente desequilibrados e mutações físicas - não raro devido aos próprios sintomas psicológicos - fecha redondo com a crônica obscura de Ballard. Existe uma máxima que afirma que o máximo da arte é não deixar-se perceber - não entendam como pasteurização - e Cronenberg atinge isto aqui: deixa de lado algumas opções características suas para levar adiante a história, tornando-se quase imperceptível. Mérito seu.
Nota: 8 

É arte: Diz-se que um quadro não possui uma verdade, mas várias. E estas verdades dependem muito do como o receptor está sentido-se no momento: se está alegre, triste, impaciente, raivoso, etc. Enquanto muitos filmes inserem um certo "ânimo" numa pessoa, quando esta está simplesmente receptiva, Crash pega o caminho inverso. Não basta estar receptivo para ver Crash; o estado de espírito do espectador - assim como seu próprio código moral - conta muito. O resultado pode ser considerar um Crash um filme chocante, revoltante, fascinante, engraçado, belo, ou simplesmente chato. Não é, portanto, um filme para os "não-iniciados", tanto na obra de Cronenberg quanto na capacidade de entender e admirar o cinema como arte - e a arte como subversão. 

Depois de tudo: David Cronenberg está se tornando, facilmente, um dos meus diretores favoritos. Crash tem tantas interpretações diferenciadas que vê-lo novamente é quase uma obrigação - fico pensando o que deixei passar enquanto estava preocupado em digerir o que recém havia visto... 

Cena de sexo favorita: James Spader e uma deformada Rosane Arquette. Obviamente, dentro de um carro.

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