30 setembro, 2007

O CHEIRO DO RALO


Gênero:
Comédia Dramática Nacional

Ano:
2007

Com:
Selton Mello, Paula Braun, Lourenço Mutarelli, Silvia Lourenço.

Direção:
Heitor Dahlia 

Argumento: Um antiquário compra artigos usados de pessoas desesperadas - mais para jogar seus perversos jogos de poder do que propriamente para vender. Quando uma bunda perfeita e o cheiro de um ralo entupido entram em sua vida, ele perde todo o controle.

Sinopse: O "ralo" do título é uma interessante metáfora à bagunça pessoal que Lourenço (Selton Mello) vive. Praticamente toda a sua vida está indo "pelo cano" (ou "pelo ralo" hehe): seu noivado, sua relação com os clientes, seu negócio. Ele confessa-se incapaz de amar - "nunca amei ninguém na minha vida", diz à noiva -, e que foi endurecendo ao longo dos anos a fim de tirar proveito máximo de seu negócio. Como antiquário, Lourenço compra inúmeros artigos inúteis; vende nenhum. Durante todo o tempo de exibição, somos apresentados a Lourenço comprando artefatos com grande valor sentimental de pessoas desesperadas por dinheiro, e trancafiando-os numa salinha escura. Em nenhum momento da fita alguém sai com algo em mãos além de dinheiro da loja de Lourenço (loja essa que sequer possui fachada).


Quando entra a Bunda na vida de Lourenço, ele perde-se totalmente. Sua obsessão por aquela Bunda - a que ele acredita ser "salvadora" - faz com que seu pequeno mundo cinza se desintegre. Além do noivado desmanchado, o cheiro do ralo vai ficando cada vez mais forte, impregnando-o a ele mesmo. "Você está doente, meio amarelo": Lourenço ouve essa crítica várias vezes. Quando percebe que o ralo está roubando o seu poder - retirando sua potência - Lourenço tenta inverter o jogo, propondo jogos sádicos com seus "clientes". Isto lhe dá uma sensação de poder momentânea, mas faz com que o cheiro do ralo só aumente.


Metáfora interessante é a figura paterna ausente na vida de Lourenço. Como ele é filho de mãe solteira, ele "constrói" seu pai através de vários artigos que compra, como um olho e uma perna mecânica, e lhes dá história. O olho, aliás, metáfora máxima da vida no cinema, torna-se cúmplice de Lourenço nas suas loucuras. "Este olho ainda não viu tudo", afirma. Não viu o ralo.
Nota: 8


Paula Braun é A Bunda


Atuação: Selton Mello tornou-se, já há algum tempo, o principal ator do cinema nacional. Talvez só divida o posto com Lázaro Ramos. Além da óbvia fama, Selton colocou dinheiro do próprio bolso para a realização de O Cheiro do Ralo. Sendo assim, era impossível não esperar mais uma atuação brilhante. Ele está tão integrado à personagem de Lourenço que fica impossível não se encantar com Selton. Ele é um arrogante filho da puta, mas seus delírios de poder com seu negócio (apesar da impotência para com sua vida) lhe dão um certo ar quixotesco. Lourenço é assim: toma a parte (A Bunda, O Olho, O Cheiro) e o transforma em todo (um relacionamento, um pai, uma vida). Lourenço Mutarelli, autor do livro no qual se baseia o filme, está sensacional como o Segurança. É um personagem - o próprio Mutarelli, não o Segurança - realmente à parte da realidade. Seu figurino - todo vermelho - é ótimo. A única intérprete meia-boca é a catarinense Paula Braun (garconete/A Bunda). Ela é exagerada em alguns momentos, e soa falsa em todos os outros. Seu único atributo é, sem dúvida, a bela bunda.
Nota: 8 

Roteiro: Baseado no livro de Mutarelli, o roteiro é bastante divertido. Tem algumas falhas, é verdade. A principal é que o filme realmente "se arrasta": as sucessivas "entrevistas" que Lourenço faz com quem lhe quer vender algo atrapalha um pouco a fita. Algumas destas entrevistas são divertidas e contribuem para a definição do caráter do personagem principal, seus problemas e conflitos, mas muitas estão lá apenas para o efeito de ser uma "sketch". Também existem bastante clichês - a drogada, a mulher casada que se vende, a noiva estérica, a garçonete de mini-saia, etc. Diálogo desnecessário para o personagem (des)humano de Mello é a conversa entre Lourenço e a empregada. Tentativa de humanizar o bastardo, fica claro ali para os antenados o desfecho do filme. Novamente, parte-se daquele pressuposto do quão é difícil adaptar uma obra literária; o que é mais importante mostrar e selecionar, e o que deverá ser descartado. Tenho certeza de que o livro de Mutarelli é ótimo ao ponto do descarte ser realmente complicado. Mas faltou empenho dos roteiristas (além de Dahlia, o escritor Marçal Aquino) na seleção desses momentos.
Nota: 6


Tomadas estilo Paul Thomas Anderson: o fundo é um quadro limitado



Direção & Linguagem: Heitor Dahlia (confesso que ainda não vi Nina) é tido como um promissor cineasta brasileiro. Em O Cheiro do Ralo, ele toma algumas decisões importantes para construir uma atmosfera suja (e fétida) para a vida de Lourenço. As três locações do filme - loja, apartamento, lancheria - são sujas e desarrumadas. A última é colorida e decorada de forma "kitsch", e tem um excesso de cores fortes como laranja e vermelho, o que acaba criando uma sensação "gordurosa" quando contrastada com os outros ambientes. O apartamento tem uma preponderância de verde - é portanto frio -, e na loja prepondera o cinza. Interessante notar que Lourenço sempre está vestido de marrom (uma analogia à merda que é sua vida, quem sabe?). Freqüentemente, Lourenço é visto caminhando da loja para a lancheria, passando sem objetivo por vários muros pichados e sujos (um deles inclusive faz menção à uma praia com coqueiros). Não sei de quem ouvi esse comentário, mas concordo: nesses momentos de caminhada, Lourenço lembra o personagem de Adam Sandler em "Punch Drunk Love". Outra: a sucessiva exibição da Bunda pode causar certo receio em algum seguimento do público. A Bunda é exibida pelo menos umas dez vezes até sua exibição final, nua. Também forçada e de mau gosto é o nu da drogada (Sílvia Lourenço), mas está completamente dentro do proposto pelo filme.
Nota: 8


Total: 75%

Depois de tudo:
O Cheiro do Ralo, apesar de um bom filme nacional, não é assim tão excelente. Um pouco de hype criado pela mídia, mais por causa do processo de cinema de guerrilha no qual foi criado e filmado. Feito com R$300 mil, o produto final impressiona pela apurada qualidade técnica. Mas, de cara, fica o evidente o porquê do Cinema Nacional não agradar à maioria: o filme é vulgar, sujo, safado. Como as velhas pornochanchadas, mas mais contido. A escatologia é característica da prosa de Mutarelli. Transposta às telas, pode ofender à massa. Torna-se, então, um filme de cinéfilos para cinéfilos.

A Bunda: Pra quem ficou curioso com ela, clique aqui. ; )

Frase favorita: "Faz que nem a merda: volta outra vez"

4 comentários:

  1. Depois deste post destrinchando o filme (que vi e gostei muito), acabei de adicionar este blog aos meus favoritos.
    valeu, tá faltando blog que fale de cinema assim, para gente que gosta de ver e não o povo metido a hype que fala difícil e finge que gosta das coisas.
    Abraço!

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  2. O filme é bizarro, muito original e sarcastico. Eu tb dou nota 7,5 para ele. O SElton é um dos melhores atores que eu já vi, sabe passar um tom de humor negro e deboche de tudo, ainda mais nesse filme, que não tinha outra forma de acabar senão mostrando aquela bunda bonita...

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  3. Uma metáfora da vida. O filme relata o mal que as pessoas no modo geral cultivam dentro de si. O mal que habita em seres humanos, constroem um universo particular, o ralo é um poço de pecado, é o espiritual, a mulher uma tentação, a destruição uma consequencia, os relacionamentos são um alvo, o profissional promove as feridas da alma, o dinheiro é usado como ferramenta, logo a morte uma consequencia.

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  4. A última bunda é da Braun, com certeza.

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